Sísifo, identidade, gayzismo e até a VEJA!
Ser gay nos define? O que seria essa cultura, que pede igualdade mas afirma nossa diferença? Quando combatemos o machismo e a normatividade estaríamos só vomitando preconceitos contra aqueles que estão “no padrão”? Será mesmo que apenas o “normal” é digno de exaltação? Somos a “Veja Gay“?
Todos conhecem o mito de Sísifo? Aquele do cara que foi condenado pelos Deuses ao Tártaro, para empurrar eternamente uma pedra enorme montanha acima, só para vê-la rolar novamente para baixo e ter que repetir o processo? Então, em Junho a maravilhosa Aline Valek fez o seguinte desabafo via twitter:
Escolhi a frase para abrir a coluna de hoje só para ilustrar o problema de lutar contra o machismo, já que ainda é preciso explicar que ele afeta também os gays, não sendo apenas uma luta feminina.
Ser gay é definidor porque a sociedade quis assim. Todo menino pode sonhar em ser bombeiro quando crescer, mas se for homossexual carregará esse rótulo também. É bobo, mas procuramos encaixar as pessoas em categorias do tipo “bonitinho”, “nervosinho” ou “viadinho”, o que é injusto porque a sexualidade é muito complexa. Quem é heterossexual ou não “dá pinta” acaba gozando da liberdade de pensar nisso apenas na puberdade, então se criam dois tipos de vivência da homossexualidade.
De um lado temos os gays que nunca conseguiram esconder a tendência, arcando com as consequências disso desde cedo, e do outro, aqueles que só viveram essa “diferença” internamente. Não é um jogo de “mocinho e bandido”, pois nessa história a única vilã é a opressão.
Identificar isso significa ter preconceito contra o “dominante” ou enaltecer um “dar pinta” desnecessário? Posso estar errado, mas me parece falta de empatia pensar assim. Somos influenciados culturalmente, e muitas vezes isso é utilizado para julgar quem é efeminado. A maioria fala como se fosse uma escolha, ainda por cima errônea, e isso é o que devemos combater. Desqualificar o feminino e enaltecer o masculino só se justifica quando falamos em machismo, essa coisa poderosa que cria gays homofóbicos e mulheres misóginas.
Se assumir não impede ninguém de ser intolerante, pois bizarrices como negros racistas ou mulheres machistas são mais do que conhecidas. Ser homossexual e não se identificar com a chamada “Cultura Gay” é totalmente plausível, já que sexo não determina personalidade, mas é absurdo reforçar exclusão e bradar que “bichas” prestam um desserviço à igualdade. Ora, não estamos procurando justamente o respeito à diversidade? Ser pintosa ou machinho não faz diferença alguma para quem realmente odeia os homossexuais. Se assumir gay é uma escolha pessoal. Entretanto, se a nossa sexualidade ainda é algo a “assumir”, isso já denuncia a diferença, ao mesmo tempo em que dá significado a cada “saída do armário”. Ao mostrar nossa cara, quebramos conceitos, desmitificamos estereótipos e contribuímos para o debate.
Há coisas horrorosas na “Cultura Gay”, e algumas são um reflexo torto da sociedade dominante, outras da necessidade irrefreável por aprovação. Todos querem aceitação, e nessa busca podemos incorrer no erro de sacrificar nossa individualidade. Pior, “jogarmos o outro na fogueira” ao transformar a diferença em pecado, ou não admitimos que somos apegados à norma por uma falsa sensação de segurança.
Tenho fé que a maioria das pessoas deseja uma sociedade igualitária de fato, onde características não signifiquem mérito ou vergonha. Deve demorar uns séculos porque esse tipo de luta é recente, mas não vejo razão para que o objetivo comum nos faça rejeitar a cultura ou apagar os registros de um segmento. Isso seria o mesmo que admitir que “o macho é quem tá certo e o resto que se dane”!
Nossa época é curiosa porque vemos o início das conquistas nesse campo, ainda que existam reações extremadas mais evidentes, como nos exemplos de Uganda, Rússia ou da Arábia Saudita. Os argumentos se inflamam, ajudando nessa polarização de experiências que nos coloca uns contra os outros. A saída, então, não seria abraçar a diversidade como um todo?
É um processo difícil para aqueles que internalizaram a rejeição do meio, mas é preciso que seja vivido. Não é por culpa do estereótipo da “bicha” que o seu pai homofóbico não quer ouvir falar nesse assunto, ou que sua mãe te negou aquela boneca na infância. É culpa do machismo, consequência do patriarcado, que transforma esse arquétipo em algo desprezível com sua intolerância. Não é apenas o “normal” que é bonito ou tem valor cultural.
Enquanto não nos libertarmos disso não há como cobrar respeito. Continuaremos sendo “esquisitos”, queer. Entre “chutar cachorro morto” e defender quem é excluído pelos seus, prefiro a segunda opção. Se é “Gayzismo” ou “Ditadura“, ou se tal escolha transforma essa coluna numa versão gay da revista VEJA… Que seja! Qualquer posição pode ser vista como radical, mas é por isso que o debate é necessário e estamos abertos a ele. Não persigo o “homem-branco-heterossexual-cristão” e muito menos quero que tal modelo acabe pois alguns são lindos, mas acho ridículo que ele seja considerado como melhor, como vem sendo por séculos.
Não me parece ser a opinião de todos e isso renova minha fé. Um dia, talvez os muros da intolerância caiam por completo e todo mundo possa ser livre para ser qualquer coisa, até mesmo “diferente”!
Fonte: Os Entendidos